Ter, 22 de Maio de 2012 22:05 Daniel Pearl Bezerra
Site Pública:
Em época de campanha vale tudo? Veja quais foram as garantias que o
Brasil deu à Fifa para sediar a Copa 2014. Veja o documento
Em
junho de 2007, o Brasil assinou um documento de garantias à FIFA com
promessas típicas de campanha para sediar a Copa do Mundo em 2014. E se –
na visão de especialistas e movimentos sociais - a Lei Geral da Copa é
polêmica, por trazer artigos que se sobrepõem às leis do país e à nossa
Constituição, as condições oferecidas pelo governo brasileiro à época
são ainda mais impressionantes.
O
Copa Pública destrincha o documento e coloca aqui alguns pontos que
ilustram bem as condições em que a Copa foi negociada e como o governo
brasileiro se mostrou disposto a fazer concessões sobre isenção total de
impostos, esquema de segurança e proteção à Fifa e seus parceiros
comerciais. Leia:
Vistos e entrada
No
documento, o então ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, se
compromete a conceder visto de entrada sem qualquer restrição a todos os
oficiais, parceiros comerciais, clientes da Fifa e espectadores,
dispensando as formalidades diplomáticas:
“(…)Eu,
por meio deste, represento e garanto à Fifa e asseguro que para efeito
de entrada e saída no Brasil e durante um período com início na data
desta Garantia Governamental e com fim no dia 31 de dezembro de 2014,
vistos de entrada e permissões de saída do Brasil serão concedidos
incondicionalmente e sem qualquer restrições independente de
nacionalidade, raça ou credo a:
(I)
Todos os membros da delegação da Fifa; (II) Oficiais de Confederação da
Fifa; (III)Oficiais das associações de membros participantes; (IV)
Oficiais de jogos; (V)As equipes; (VI) Equipes de afiliados comerciais ;
(VII) Emissora anfitriã, agência de direitos de transmissão e equipe de
transmissão; (VIII) Equipe dos parceiros de produtos e vendas da Fifa,
provedores de acomodação da Fifa, parceiros de ingresso da Fifa e
parceiros de soluções de TI da Fifa;(IX) Equipe de provedores/parceiros
de serviço de hospitalidade oficial da Fifa; (X) Clientes de
hospitalidade comercial da Fifa; (XI) Representantes da mídia e (XII)
Espectadores em posse de ingressos válidos para a partida e todos os
indivíduos que possam demonstrar envolvimento nas competições uma vez
que eles possam demonstrar de maneira razoável que estão entrando no
país em conexão com atividades relacionadas às competições.
Impostos e taxas
A
terceira garantia diz respeito a isenção total de impostos de
importação para a Fifa, seus parceiros comerciais e clientes, emissora
anfitriã e espectadores:
“(…)Iremos
assegurar que as importações do Brasil e as reexportações subsequentes
de quaisquer bens importados para uso relacionado às competições
pertencentes aos indivíduos e entidades corporativas estrangeiros ou não
residentes identificados abaixo devem ficar livres de todo imposto,
encargo, direito aduaneiro e tributo cobrado por autoridades federais e
solicitar que autoridades estaduais, locais e quaisquer outras
autoridades ou organizações do Brasil a fazê-lo”.
Segurança
Neste
tópico o documento garante à Fifa – incluindo todos os membros,
oficiais, membros das delegações – emissora anfitriã, parceiros
comerciais e espectadores, “um conceito completo de segurança” e toma
para si “total responsabilidade por quaisquer incidentes e/ou acidentes
com a proteção e/ou segurança relacionados à competição e indenizamos,
defendemos e isentamos a Fifa de e contra todas as responsabilidades,
obrigações, estragos, perdas, reivindicações, pedidos, recuperações,
deficiências, custos e despesas (incluindo taxas de advogados que tais
partes podem sofrer em relação a, em função ou provenientes de acidentes
e/ou incidentes de proteção e/ou segurança relacionados às competições”
Proteção e exploração dos direitos comerciais
Neste
trecho, o governo brasileiro se compromete a adotar uma série de
medidas voltadas à proteção e exploração dos direitos comerciais da FIFA
e das marcas associadas à Copa das Confederações 2013 e à Copa do Mundo
2014:
“Caso
o Comitê Organizador Local estabelecido pela Confederação Brasileira de
Futebol (CBF) seja selecionado pela FIFA para receber e organizar a
Copa das Confederações FIFA 2013 e a Copa do Mundo FIFA 2014 (as
“Competições”), nós por meio deste representamos e garantimos à FIFA e
asseguramos que as seguintes medidas serão implementadas e operativas,
de acordo com a legislação especial específica se necessário, pelo menos
doze (12) meses antes do início da Copa das Confederações FIFA 2013″.
O
Brasil se comprometeu até a aprovar legislação específica e se dispôs a
permitir que estas medidas fossem implantadas a partir de 15 de junho
de 2012, ou seja, um ano antes do início da Copa das Confederações e
dois antes da Copa do Mundo.
Além
das proteções aos direitos autorais da FIFA, o Brasil se comprometia a
realizar a “implementação de uma zona de comércio de rua e publicidade
dentro de e no espaço aéreo de 2 km da zona de exclusão em torno de cada
local oficial, no qual o direito de atividades comerciais é reservado à
FIFA e seus indicados.” Ou seja, a polêmica questão das zonas de
exclusão da Lei Geral da Copa já era uma promessa do governo brasileiro
em 2007.
O
governo ainda se comprometia a realizar a “criação de um comitê de
Programa de Proteção de Direitos não mais tarde que cinco (5) anos antes
das Competições e que consista de membros de departamentos/agências de
governo relevantes (como o departamento de comércio e indústria, o
escritório de propriedade intelectual, serviços de alfândega, ministério
público, órgãos de aplicação da lei, etc.) O objetivo do Comitê é se
reunir a cada seis (6) meses (e com mais frequência durante o período
imediatamente anterior às competições) e analisar, com o objetivo de
implementar melhoras e iniciativas e proteger a propriedade intelectual
da FIFA e seus direitos comerciais”. No intuito de zelar pelos direitos
comerciais da FIFA, o Brasil se dispunha a criar um comitê de
“notáveis”, a ser formado cinco anos antes da Copa das Confederações, e
este comitê teria reuniões periódicas para pensar soluções no sentido de
proteger os interesses comerciais da FIFA.
O
governo não só assumiu a causa da FIFA como se dispôs a conceder
“poderes especiais aos oficiais locais que aplicam a lei para trabalhar
com a FIFA, para reforçar a proibição e as zonas de exclusão mencionadas
acima, permitir a eles entrar nas premissas sem mandado, buscar e deter
qualquer pessoa suspeita de violação, confiscar quaisquer materiais
suspeitos com relação à violação e eliminar e/ou destruir materiais
criados ou usados em relação à violação (no momento da detenção
porviolação).”
Os
privilégios comerciais da FIFA são tão cultivados que o Brasil prometeu
que a polícia local não precisaria de mandado para confiscar materiais
“suspeitos de violação” ou deter indivíduos que estejam violando tais
privilégios, na ótica da FIFA.
A
FIFA ainda ganhou a promessa de que as entidades que representarem
comercialmente a entidade teriam “o direito, se necessário e sem custo,
de forma acelerada, a se registrarem e estabelecerem como entidades
comerciais legalmente reconhecidas no Brasil (…)”. Ou seja, é garantido
aos parceiros comerciais da FIFA estabelecerem-se como pessoas jurídicas
no país de forma rápida e de graça.
Indenização
O
documento garante que o Brasil tomaria ”todas as providências
necessárias no sentido do Brasil assegurar indenização à FIFA e seus
representantes, empregados e consultores, bem como defendê-los e
colocá-los a salvo de todos os custos com processos, reivindicações e
custos afins (inclusive honorários advocatícios), que possam ser
incorridos ou sofridos ou ameaçados por outros contra a FIFA” na
realização da Copa do Mundo. Em caso de qualquer ação jurídica promovida
contra a entidade, não haveria custos e o país se disporia a defender a
entidade suíça, diz o mesmo acordo.
Telecomunicações, tecnologia de informação
O
governo do Brasil assegurou “a disponibilidade (sem custo específico à
FIFA ou aos usuários) de uma infraestrutura de telecomunicações,
inclusive, mas não limitado a, todas as redes necessárias (alâmbrico ou
inalâmbrico), todo o hardware de rede associado (inclusive equipamentos
terminais), todos os codecs necessários e todos os equipamentos passivos
e ativos; que permitirão todas as formas de telecomunicação, inclusive
telefones internacionais e nacionais com o seu fio, comunicações de
dados, áudio, e vídeo para as Competições e Eventos Auxiliares. Essa
infraestrutura (…) estará conforme com os mais altos padrões e
requisitos internacionais aplicáveis à época das Competições e Eventos
Auxiliares e com os requisitos que a FIFA possa definir de tempo em
tempo”.
Por
este trecho, temos um pronunciamento oficial de um ministro garantindo à
FIFA que a entidade receberá toda a infraestrutura necessária para as
telecomunicações com a ressalva de ser equipamento de ponta. Ainda há a
prerrogativa de que a FIFA poderá definir de tempo em tempo seus
requisitos em relação a este material.